quinta-feira, 29 de maio de 2008

O CHIQUE DO BREGA

Não há ser humano que resista a um espelho. Verificar como seremos vistos pelo “outro” é exatamente o que nos constitui como sujeito. Almejamos ser desejados. Do desejo-do-outro, a imagem funda a moda e nos deixa uma questão: será que somos chiques?


O CHIQUE DO BREGA

As sociedades modernas, principalmente em contraposição ao medievo, se caracterizam por ter como principal mito fundante a questão da imagem. Parece, neste contexto, que ao escrever o Retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde, em 1891 – data da primeira publicação da obra – pretendia nos dizer muito mais do que simplesmente demolir os costumes (hipócritas e conservadores) da sociedade européia do final do século XIX – começo do século XX. Wilde nos revela, dessa forma, que o Homem ao questionar a existência de Deus não poderia mais tê-lo como sua imagem e semelhança, assim como os religiosos acreditaram ao longo do mundo medieval. O homem passa a ser, nesse contexto, a medida de todas as coisas, tornando-se sua própria imagem e semelhança.
Dorian Gray era um rapaz extremamente lindo da alta sociedade londrina, que certa feita, ao posar para um amigo pintor, desejou, tendo em vista a precisão resultante da pintura, que o quadro envelhecesse em seu lugar para que ele continuasse eternamente com seu rosto jovem e belo. Seu desejo é atendido e, a partir de então, sua vida sofre inúmeras mudanças.
Na verdade, a vida de todos é afetada com a mudança do medievo ao mundo das luzes, uma vez que a partir dela os homens passaram a olhar uns para os outros, observando os diversos modos de vestir, falar e comportarem-se, existentes e possíveis a partir da modernidade. Acontece que, à luz da complexidade resultante desse somatório de diferenças, surge, também, o fenômeno da Moda como o elemento decisivo no passo dado pelo homem em direção à dimensão estética. A Moda aparece como o novo Deus a ser seguido pelos homens, numa espécie de tentativa de reconstrução de um absoluto que atenda às demandas humanas, como fora à figura do sagrado durante os séculos de idade média.
A Moda institui, assim, o chique e o brega; funda, portanto, o padrão de conduta a orientar o imaginário da integralidade das pessoas – o chique, como também aquilo que (supostamente) não serve como referencial a ninguém – o brega. A Moda assume uma postura de estabelecimento de um padrão com pretensões universais. O chique termina por materializar-se na vida de cada um dos indivíduos como a grande meta a ser alcançada. O pensador francês, Guy Debord, fala em uma Sociedade do Espetáculo, onde em um primeiro momento abandonamos o ser para valorizar o ter, sendo que a posteriori substituímos o ter pelo parecer ter.
Essa é a mais nefasta conseqüência que a relação de poder instituída pelo chique acaba promovendo: a frivolidade da ditadura da imagem faz com que as pessoas dêem sentido às coisas a partir de um referencial alheio as suas próprias vidas, portanto, vazio de si mesmas. O materialismo efêmero que a Moda institui nos retira a responsabilidade com “o outro”, visto que acabamos projetando uma verdade-do-objeto, nos jogando no vazio no qual tem se constituído a Verdade da Moda.
O brega se desvela, contrapostamente, como tudo que se põe de maneira diferente do status quo imposto pelo chique. Tomando a expressão de Lacan, a qual sustenta que nosso inconsciente é estruturado como linguagem, na medida que nos deparamos com ocorrências distintas do padrão tido como o correto (o chique), definimos – através de nossa psique – como algo brega, principalmente quando estamos nos referindo à maneira de vestir das pessoas. Ao elucidar a construção que constitui o fenômeno da Moda e sua implicação no chique, é possível retirarmos o véu de nossa ignorância em acreditar que eles existam concretamente. Uma vez esclarecido que suas essências estão em nosso imaginário, as exteriorizações do que concebemos, por exemplo, como sendo “o chique”, evidenciam-se como uma grosseria.
O (denominado) brega se qualifica, como o modo de ser-no-mundo das pessoas desfavorecidas pelas relações de poder, aquelas que subjugadas pelos mais fortes, econômico e culturalmente, ficam aquém do considerado chique pelos donos do poder. São bregas, segundo os chiques, por não se adequarem às formas que o mundo das imagens e aparências exige como padrões de gosto e conduta. Não se adaptam as aparências, pois sobrevivem em um lócus onde impera a transparência. Aliás, esse é o chique do brega, visto que não há nada mais chique que a luta que as pessoas humildes travam contra as adversidades diárias que a vida cotidiana lhes impõe. Distantes do que o senso comum define como a etiqueta, possuem as suas relações embasadas na simplicidade-verdadeira que estrutura o chique do brega.
É válido lembrar, ainda, que no livro de Wilde, quando Dorian Gray tem a sua vontade atendida, torna-se devasso, egoísta e mau, muito embora a beleza assegurada devido ao não envelhecimento obtido. Quiçá, tamanha harmonia nas formas traga consigo tantas mazelas na alma como acontece com o personagem. Deve ser esse o preço do chique!

Jayme Camargo

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