segunda-feira, 7 de julho de 2008

DESISTO DE DESISTIR... (e outras desistências)

DESISTO DE DESISTIR... (e outras desistências)

Estou cansado desse amor barato!
Com sabor de guarda-chuva molhado,
Com efeito de paralisia infantil,
Com gosto amargo, de chimarrão lavado em boca senil...

Saco-cheio é pouco, estou é saturado!
Dessa falta de clareza, da carência de sentido.
Essa história, de não saber ao longe,
Se o coração partido vai um dia ser amado?

E tem mais um detalhe, dessa vez, é paradigma rompido.
Não importa o que se fale, é crise instituída.
É hora da ferida, que dói, e que se sente...
Consciência do presente é o absurdo que corrói!

O amanhã, não quero ter controle, não quero nem saber...
Não quero criança com fome, não quero mais sofrer!
Por isso, desisto do amor, desisto, de desistir...
do amor, pois ele é tudo que sinto, que enclausura minha dor...

Jayme Camargo (2003)

sábado, 28 de junho de 2008

Meu coração quase me sufoca

Meu coração quase me sufoca
Sinto falta de ar
Quando sentindo, imagino
O amar.


há mar?

Tornamos

(à)

amar.

Se de um “amar”
Re – tornamos
Ou seja,
Voltamos a passar
Pelos mesmos (a)mares

Amar a quem?

A este “amares”?!

Quais mares,
nos conduzem pelos ares?

Ou diria marés...

Onde

Amar és... poesia.
É maresia...

É “res” imaginária

Imaginar é

(poder) conceber

o Ser (-aí)

ao contrário

imaginar é, assim,
ser ao contrário

é Ser marginal.
o poeta está sempre

à margem...


a margem do Real.

(JAYME CAMARGO DA SILVA - junho 2008)

sábado, 14 de junho de 2008

nunca tive lugar...


Nunca tive lugar.

Sempre me senti um fora-de-lugar.

Talvez por trazer na essência a história de minha existência.

Todos temos marcas.

Nossas tatuagens são nossa primeira pele embora não a enxergamos.

Cada vez enxergamos menos uns aos outros.

A janela da alma está cega.

Cegonha que não chega – ninguém nasce mais.

Somos consumidores da vida.

Consumo e dores.

De consumidores da vida a vida de consumidores.

Dores.

Não há cura em lojas de conveniência.

O racionalismo sacrifica em massa.

Pessoas que não comem nada.

Massa que sobra e vai pro lixo em guetos e restaurantes.

Luxo que sobra e vai todo à mesa de madames.

Damas da ilusão.

Lixo e luxo se confundem para sua desilusão.

É o preço da vida de plástico – de toda lógica-da- dominação.

Jayme Camargo/2007

(A)O NÃO-AMOR

(A)O NÃO-AMOR

Sobre o não-amor
sequer poderia-se falar

o meu amor que passou
é fruto do carinho direto


do afeto.


Como uma história Rodrigueana
onde pessoas cruzam destinos,
destinos possíveis,

talvez,

mas por já ter existido um dia,
todo destino
tem um quê de caminho
e todo caminho nos remete a um lugar...



Quase como a dramaturgia
onde o ato da cena
ou a cena da representação do ato

surge, faz surgir
o universo possível
de possibilidades possíveis;


o contexto
onde todo texto faz sentido
onde todo ato é sentido
onde o sentido dos atos
é o retrato do mundo vivido...


É o fato da finitude da vida;
da finitude dos fatos...
no desgaste dos atos vencidos
ao desgosto do amor não tido!

Jayme Camargo e Rafael Trombetta/ 2006

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Estado atrapalhado cidadão prejudicado!


Algumas noites dos finais-de-semana na Cidade Baixa têm sido inconstitucionais. Ou melhor, têm se verificado uma sutil violação aos direitos fundamentais de inúmeros porto alegrenses que lá se encontravam. Explico: a Brigada Militar devidamente amparada pelos fiscais de trânsito da EPTC (empresa pública de transporte e circulação), vulgarmente conhecidos como “azuizinhos”, realizou barreiras no cruzamento entre as ruas Lima e Silva e República. Ocorreu que, durante algum tempo, toda a via da Lima e Silva (pouco além do cruzamento referido) esteve bloqueada. O Estado, assim, através de duas de suas instituições, fechou todo um trecho de uma via pública sem nenhum fato que ensejasse tal medida. Transgressão nem tão sutil, pois que a partir do conhecimento de célebres máximas como – “a injustiça que se faz a um é uma ameaça que se impõe a todos” – de Maquiavel, temos presente que a violação a direitos fundamentais acarreta na quebra do Pacto Social, instrumento simbólico de ligação entre os cidadãos e o Estado. Ou seja, a tão falada “Sociedade Civil”, resultante do contrato social, é afrontada como um todo quando atos de infração às garantias fundamentais acontecem. Assim, independente ao fato da violação às liberdades individuais ter sido materialmente sentida apenas pelos cidadãos que ali transitavam. Sabe-se, aliás, desde a apurada teoria constitucional, que o famoso direito de “ir-e-vir” – como o populacho sustenta no dia-a-dia – caracteriza-se como direito fundamental de primeira dimensão, ou, liberdade negativa. Negativa, pois, são direitos de não-intervenção que o cidadão tem frente ao todo – Estado, como frente a qualquer outrem – particulares. Ao realizar o bloqueio de todo o trecho de uma via sem nenhuma razão emergencial, portanto, o Estado está desrespeitando uma série de direitos que até mesmo o estruturam enquanto Estado. O mais difícil de digerir, ainda, é o fato de desconfiarmos que os bloqueios, aparentemente, possuem um cunho arrecadatório fruto do atrapalhado governo do estado. Governo que tem se caracterizado, desde seu início, pelas brigas com a própria base na Assembléia, encontra dessa forma muita dificuldade para administrar o orçamento de um Rio Grande tão complexo. As “blitz”, assim, constituem-se como um instrumento da atrapalhada gestão, para, por exemplo, tentar adimplir o décimo terceiro do funcionalismo público. O preço disso, entretanto, têm sido a infração aos direitos fundamentais dos gaúchos.
Jayme Camargo da Silva

sexta-feira, 6 de junho de 2008

As mulheres do Bom-fim...

As mulheres do Bom-fim...
As mulheres do Bom-fim
São sempre assim:
Não pedem para entrar,
nem avisam ao sair...
Não pertencem a outro alguém
apenas ao Bom-fim
são mulheres para todos,
mulheres pra ninguém...
De espíritos livres
não se podem restringir,
pois consigo elas mantém
a liberdade no existir!
As mulheres do Bom-fim
são por isso a Redenção
de todo aquele que escreve
lá tomando um chimarrão...
São "tão-bem" no fim-da-tarde
companhia nos cafés,
logo após a Lancheria...
(do PARQUE)
...vale tudo que vier!
As mulheres do Bom-fim
se confundem com o horizonte
como o cheiro de jasmim
ao penetrar o nosso fronte...

Elas são infinitude,
toda ausência de um fim
infinitas com atitude
a procura de um sem-fim!

São mulheres decididas,
quase sempre são assim
não suportam despedidas
querem sempre um bom fim...
Encerrando esse poema
tentando lhe dar fim
acho que um dia morro...
(de AMOR)
...pelas mulheres do Bom-fim...
Jayme Camargo

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Encontros e (Des)encontros...

“a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro
nesta vida... e não se engane não é uma só...”
Vinícius de Moraes


Encontros e (Des)encontros...
(São três e vinte da manhã de sábado para domingo, que não bastasse chuvoso, foi atravessado por um feriado farroupilha na quinta-feira.)
Não se encontra na rua o que não se tem em casa. Poderíamos, também, colocar a metáfora da seguinte forma: não adianta querermos encontrar no mundo exterior o que devemos trazer conosco no intimo. Imaginamos poder encontrar quando saímos para “fazer-uma-noite” alguma pessoa que nos encante. Por mais que não seja esse o nosso horizonte quando saímos, é inegável que sempre há, mesmo que resguardado interiormente, uma pouco de desejo de que o “amor-da-nossa-vida” esbarre em nossa existência. Entretanto, embora saibamos que a vida é a arte do encontro, cremos que os inúmeros desencontros que nela se dão, têm causa na incapacidade das pessoas de se encontrarem consigo mesmas. Ou seja, não podemos buscar nos outros aquilo que deveríamos ter em nosso poder. Além disso, é por essa razão que não temos conseguido nos encontrar com os outros, à medida que acabamos buscando neles a resposta às nossas carências. Seria muito mais profícuo esperarmos do outro uma espécie de “plus” subjetivo, ao invés da resolução de nossos conflitos interiores. Ao fazermos uma reflexão crítica acerca dos momentos nos quais os maiores afetos nos aparecem, percebemos que são tempos de relevante tranqüilidade. Nossas carências são apenas nossas, devendo ser atendidas domesticamente. Não podemos ter uma relação de necessidade com o outro, na medida que toda necessidade é expressão de exigência. Quiçá nesse aspecto resida a principal causa de haver tantas relações calcadas na posse sobre o outro, o que explica, também, o ciúme corrosivo que marca tais relações. Toda exigência implica em cobrança. Por isso a necessidade deve ser a necessidade de nós mesmos, a medida em que assim fazemos as cobranças necessárias ao nosso próprio eu (“self”), estas, de fato, exigências fundamentais. Nosso fundamento, embora seja o olhar-do-outro, não pode ser – no outro. Devemos assumir a nossa existência, nos entregando a nós mesmos. Aliás, parece ser essa a importante radicalização da nossa própria condição humana, visto que ninguém nunca nos perguntou se queríamos existir, o que nos situa desde sempre “tendo-que-ser”. O nosso projeto deve ser nosso, deve ter sempre seu a priori estruturado, portanto, a partir de nossas próprias referências. Não podemos, dessa forma, projetarmos nossa expectativa de felicidade sobre o outro. Não apenas sobre o outro enquanto outra pessoa, mas também enquanto outro lugar, outro trabalho, outro objeto qualquer... Ao despejarmos nossa expectativa de felicidade sobre qualquer outro ente que não nós mesmos, tornamos aquilo que nos é mais próximo e humano em algo distante e impessoal; viés característico dos objetos enquanto tais. Daí a angustia ser a marca recorrente de nossa época. Nunca uma geração foi tão marcada existencialmente por esse sintoma à medida que nunca uma geração foi tão tributária dos objetos (por definição tudo aquilo que se nos opõe, que nos é externo, enquanto sujeitos) como fundamento existencial. Temos na angustia, dessa forma, a essência de nosso tempo. Indagando-a, portanto, vislumbramos uma melhor explicitação do problema ora analisado. Partiremos da constatação de que na angustia, o nada é. Mas como pode ser alguma coisa, o nada, se ele nada é? A angustia se desvela como a presença do nada, na medida que quando estamos angustiados nos faltam às palavras. As palavras nos fogem, pois a angustia nos corta as palavras. Quando ela vai embora, entretanto, nos sentimos plenos novamente, e ao refletirmos sobre o que havia conosco, logo concluímos que – nada havia. A angustia é, portanto, a presença do nada. E esse corriqueiro acossar pelo nada, mostra como os objetos são incapazes de representar nossa felicidade, tendo em vista a força com que esse nada nos interpela, tornando vaga e opaca a nossa realidade, quando está presente. Esse desconforto com a realidade acontece, pois, como corolário da angustia, não conseguimos sequer tornar possíveis os objetos, à medida que sua representação se dá através da linguagem, e pela angustia nos cortar as palavras acabamos não conseguindo significar às coisas (até mesmo enquanto próprias coisas que são). Nosso projeto de felicidade, logo, não pode estar ancorado fora de nós, ao passo que assim seria um objeto, e esses tampouco são possíveis em alguns momentos (o que denota sua fraqueza). Importante questionar, assim, como a projeção de nossos sonhos, aquilo que é mais “nosso”, poderia ser impossível em algum momento?! É exatamente por isso que o “projetar” dos nossos projetos deve estar radicalmente sustentado em nós mesmos. Nos outros encontraremos os parceiros de projeção, aqueles que por afinidade estabelecerão seu “ser-com” juntamente conosco, mas que também não deverão fazer da sua projeção a busca de um objeto externo; porquanto vimos ser ele da ordem interna do sujeito. A despeito de tantos desencontros nesta vida, ela ainda é (deve ser) a arte do encontro consigo mesmo; espécie de “encontro fundamental”, condição de possibilidade de que todos os outros encontros aconteçam.
(São seis e doze da manhã de um domingo chuvoso que começa a nascer.)
Jayme Camargo da Silva

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Se ela soubesse... (poema de verão)

Se ela soubesse... (poema de verão)

escrevo o surgimento de Mariana
e assim a re-descrevo
redescravo desse momento

a descubro no sentido do poema
a desnudo na metáfora do tema
a desvelo no veludo dos fonemas

(onde é velado meu sofrimento)

a destrincho,
da trincheira ao sentimento
nossa Metafísica é um “Ser e Tempo”

nossa física,
é pós-metafísica
pura relação de sujeitos
puro dar-se na linguagem
no qual o “ser-com”
tem os próprios fundamentos

nossa cumplicidade
é rota estruturante
fruto da simplicidade
faz-se (e)terno todo instante...

face terna de sorriso aberto
onde a alma é uma constante
abertura de delicadezas
constituição de diamantes

se de dia – amantes
pela noite a desejo
vontade do seu corpo
agora meu escopo
meu copo, meu vício

nosso encontro é uma aurora,
é clareira na floresta
mistura nostalgia de outrora
a esperança do futuro...

Jayme Camargo (19/01/2008 – 05:46 da manhã).

O DIREITO MATA...

(ao Luis Felipe Galiza - jurista que não se travestiu)

O DIREITO MATA...

o Direito mata
o direito a ter direitos
corruptos genocidas
travestidos de juristas
gama de insensíveis
escondidos atrás de togas pretas do luto
seus tribunais são templos do consumo
do com sumo de ações
no sumiço da justiça
se vendem decisões
da balança carcomida
que escraviza aos peões
criminaliza-se a miséria
em sentenças de estagiários
assessoras prostitutas
que dão prazer por um “CC”
e prostitutas da Farrapos
apanhando em DP’s
promotores sem juízo
denunciam sem por que
e juízes se promovem
sentenciando o sofrer .

Jayme Camargo

domingo, 1 de junho de 2008

DO TEMPO DO AMOR (Reflexões a partir de um filme e de uma canção)

DO TEMPO DO AMOR
(Reflexões a partir de um filme e de uma canção)
Chico Buarque já havia dito que os amores seriam sempre amáveis. Coube, entretanto, ao competente diretor de cinema argentino, Alejandro Agrestí, reforçar o pensamento do mestre Carioca. Ao presentear seus espectadores com o americano “The Lake House” (A Casa do Lago), Agrestí refletiu novamente a vida a partir das minúcias humanas. Como havia feito em “Uma Noite com Sabrina Love”, como também em “Valentin”, uma delicada distância separa pessoas que gostariam de se aproximar. Se, o amor do personagem interpretado pelo ator Tomás Fonzi está distante da sonhada noite com Sabrina Love, Valentin sofre pela distância ou inexistência do amor de sua mãe, carência que vê reproduzida em todas as mulheres de sua vida, as quais sempre passageiras – nunca permanecem consigo; sobretudo depois da perda da avó, única que o amou incondicionalmente. Em “A Casa do Lago”, o amor que separa os personagens Kate e Alex (que conseguiram resistir aos péssimos K. Reaves e S. Bullock) parece refletir exatamente a separação que se dá na vida de muitas pessoas no cotidiano. O tempo no qual vivem o amor um pelo outro não é o mesmo. O solipsismo afetivo, dessa forma, parece ser o único destino possível. Mais do que cotidiano, o amor entre pessoas que até seriam em algum futuro – amantes, é mais corriqueiro do que Afrodite gostaria que fosse. São inúmeras às vezes nas quais determinadas pessoas chegam a nossas vidas em um tempo no qual não é o tempo de recebe-las. Não estamos preparados para acolher e tampouco para nos permitir ser acolhidos. (Pouco antes ou instantes depois...). Essa barreira – do “timing” da chegada-do-outro em nossa vida, está entregue ao acaso nos deixar, ou não, na porta da casa daquele que amamos. Assim, podemos estar simplesmente nos dirigindo ao trabalho, ou indo à locadora a procura de um filme, e o grande amor de nossa vida estar no horizonte de sentido do nosso olhar, entretanto vivendo em um outro tempo que não o do desejado encontro. Quantas vezes, aliás, não imaginamos isso ao entrarmos na locadora e vermos alguém falando sobre um filme que também partilhamos afinidade. São as inúmeras situações que ficamos imaginando quando será o nosso tempo do amor... Tempo em que essa alguma pessoa chegará e constituirá o tempo do amor. Pois dispõe de um extremo realismo, neste ponto, o filme do argentino, uma vez que esse é o desígnio principal de sua trama no lago. Embora se trate de um realismo mágico, ao melhor estilo Garcia Márquez, “A Casa do Lago” é de uma sensível recepção para todo aquele que já se indagou acerca do tempo do amor. A experiência da solidão é uma clara referência do diretor à imposição que a vida corriqueiramente nos implica. A dificuldade de viver a dimensão do encontro sempre reflete a existência dos principais personagens de Agrestí. A câmera do argentino, nesse detalhe, é um espelho da realidade contemporânea – seus personagens revelam a marca do homem atual, a saber, estar jogado na melancolia do desencontro. Retornando a Chico Buarque, parece que a canção “Futuros Amantes” deveria ser a trilha sonora de todo o filme do argentino. Chico, nessa canção, cria a figura que o amor são partículas soltas no tempo, as quais os amantes apropriam-se para amar. Assim, quando essas partículas estão na posse de um casal apaixonado – o amor se faz presente. Acontece que essas partículas de amor, por vezes, vão embora, voltando a restarem soltas no tempo. Transcorrido determinado tempo, outros pares apropriam-se daquela mesma partícula, elo no passado da união de outros amantes. Por isso, como diz a canção de Chico, “Amores serão sempre amáveis, futuros amantes, quiçá, se amarão sem saber, com o amor que eu um dia deixei para você”. Ainda quando Chico diz: “Não se afobe não, que nada é para já, amores serão sempre amáveis”, vislumbra-se o casal do filme de Agrestí, trocando suas cartas, tentando imaginar quando poderão se apropriar das partículas de amor que tantos outros já provaram. Canção e película se confundem, assim, na perspectiva de revelar que há o tempo do amor. E que devemos estar abertos para experimentá-lo, quando presente na porta de nossas vidas.
Jayme Camargo
"Futuros Amantes" – Chico Buarque
Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Sô Frida Khalo por aqui

Sô Frida Khalo por aqui.

Se o triângulo tem três ângulos
Sou quadrado e sem rumo
Perdido no tempo e ausente no espaço
Aos poucos me desfaço
Me desvelo transparente
Interpreto meus passos
Presente em meu passado
Me revelo no relevo da vida
Da minha ida não levo nada
E da minha volta me revolto
Minha alma é minha lama
Mas acalma minha volta sem ida
Revolta apartada – partida
Dado viciado - grande jogada
Se é pra mentir:
Minha alma é penada
Não teme despedidas
Jogada na vida sabe que morre
Sô Frida Khalo por aqui.

Jayme Camargo e Vado Vergara

quinta-feira, 29 de maio de 2008

O CHIQUE DO BREGA

Não há ser humano que resista a um espelho. Verificar como seremos vistos pelo “outro” é exatamente o que nos constitui como sujeito. Almejamos ser desejados. Do desejo-do-outro, a imagem funda a moda e nos deixa uma questão: será que somos chiques?


O CHIQUE DO BREGA

As sociedades modernas, principalmente em contraposição ao medievo, se caracterizam por ter como principal mito fundante a questão da imagem. Parece, neste contexto, que ao escrever o Retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde, em 1891 – data da primeira publicação da obra – pretendia nos dizer muito mais do que simplesmente demolir os costumes (hipócritas e conservadores) da sociedade européia do final do século XIX – começo do século XX. Wilde nos revela, dessa forma, que o Homem ao questionar a existência de Deus não poderia mais tê-lo como sua imagem e semelhança, assim como os religiosos acreditaram ao longo do mundo medieval. O homem passa a ser, nesse contexto, a medida de todas as coisas, tornando-se sua própria imagem e semelhança.
Dorian Gray era um rapaz extremamente lindo da alta sociedade londrina, que certa feita, ao posar para um amigo pintor, desejou, tendo em vista a precisão resultante da pintura, que o quadro envelhecesse em seu lugar para que ele continuasse eternamente com seu rosto jovem e belo. Seu desejo é atendido e, a partir de então, sua vida sofre inúmeras mudanças.
Na verdade, a vida de todos é afetada com a mudança do medievo ao mundo das luzes, uma vez que a partir dela os homens passaram a olhar uns para os outros, observando os diversos modos de vestir, falar e comportarem-se, existentes e possíveis a partir da modernidade. Acontece que, à luz da complexidade resultante desse somatório de diferenças, surge, também, o fenômeno da Moda como o elemento decisivo no passo dado pelo homem em direção à dimensão estética. A Moda aparece como o novo Deus a ser seguido pelos homens, numa espécie de tentativa de reconstrução de um absoluto que atenda às demandas humanas, como fora à figura do sagrado durante os séculos de idade média.
A Moda institui, assim, o chique e o brega; funda, portanto, o padrão de conduta a orientar o imaginário da integralidade das pessoas – o chique, como também aquilo que (supostamente) não serve como referencial a ninguém – o brega. A Moda assume uma postura de estabelecimento de um padrão com pretensões universais. O chique termina por materializar-se na vida de cada um dos indivíduos como a grande meta a ser alcançada. O pensador francês, Guy Debord, fala em uma Sociedade do Espetáculo, onde em um primeiro momento abandonamos o ser para valorizar o ter, sendo que a posteriori substituímos o ter pelo parecer ter.
Essa é a mais nefasta conseqüência que a relação de poder instituída pelo chique acaba promovendo: a frivolidade da ditadura da imagem faz com que as pessoas dêem sentido às coisas a partir de um referencial alheio as suas próprias vidas, portanto, vazio de si mesmas. O materialismo efêmero que a Moda institui nos retira a responsabilidade com “o outro”, visto que acabamos projetando uma verdade-do-objeto, nos jogando no vazio no qual tem se constituído a Verdade da Moda.
O brega se desvela, contrapostamente, como tudo que se põe de maneira diferente do status quo imposto pelo chique. Tomando a expressão de Lacan, a qual sustenta que nosso inconsciente é estruturado como linguagem, na medida que nos deparamos com ocorrências distintas do padrão tido como o correto (o chique), definimos – através de nossa psique – como algo brega, principalmente quando estamos nos referindo à maneira de vestir das pessoas. Ao elucidar a construção que constitui o fenômeno da Moda e sua implicação no chique, é possível retirarmos o véu de nossa ignorância em acreditar que eles existam concretamente. Uma vez esclarecido que suas essências estão em nosso imaginário, as exteriorizações do que concebemos, por exemplo, como sendo “o chique”, evidenciam-se como uma grosseria.
O (denominado) brega se qualifica, como o modo de ser-no-mundo das pessoas desfavorecidas pelas relações de poder, aquelas que subjugadas pelos mais fortes, econômico e culturalmente, ficam aquém do considerado chique pelos donos do poder. São bregas, segundo os chiques, por não se adequarem às formas que o mundo das imagens e aparências exige como padrões de gosto e conduta. Não se adaptam as aparências, pois sobrevivem em um lócus onde impera a transparência. Aliás, esse é o chique do brega, visto que não há nada mais chique que a luta que as pessoas humildes travam contra as adversidades diárias que a vida cotidiana lhes impõe. Distantes do que o senso comum define como a etiqueta, possuem as suas relações embasadas na simplicidade-verdadeira que estrutura o chique do brega.
É válido lembrar, ainda, que no livro de Wilde, quando Dorian Gray tem a sua vontade atendida, torna-se devasso, egoísta e mau, muito embora a beleza assegurada devido ao não envelhecimento obtido. Quiçá, tamanha harmonia nas formas traga consigo tantas mazelas na alma como acontece com o personagem. Deve ser esse o preço do chique!

Jayme Camargo

O desejo da voz

O desejo da voz...

Queria poder te ouvir e me deleitar com as palavras que emanariam da tua alma.

Seria como depois de uma tempestade poder provar o sol refletido na grama por sobre onde deitaríamos nossos corpos.

Ou então como o arrepio que sentimos quando mergulhamos ainda secos às profundidades dos mares.

Desde o primeiro instante no qual olhei para a imagem do teu olho minhas retinas resignificaram-se com novos sentimentos.

Agora meus ouvidos clamam pela mesma atenção e rogam pelas palavras sussurradas e pelos poemas falados que constituem o cotidiano e suas minúcias.

Deves adorar o cotidiano?!

Pois sinto que teu espírito está entregue ao teu corpo, mas que teu corpo pertence aos pequenos desvãos da linguagem cotidiana.

Pequenos lugares são diferente de lugares pequenos.
Pequenos lugares reconfortam nossa alma mesmo quando a angústia nos corta as palavras.

Afinal, essa pá-que-lavra e dá sentido ao MUNDO, retirando-o de seu silêncio MUDO que constitui o começo de tudo.

A palavra.

Se pudesse, não te daria apenas a minha palavra, mas daria todas as palavras que conseguissem conduzir os sentimentos que as perfazem.

Daria-te, também, mais que a fala, te daria meu silêncio para que tu abrisses teu coração e que ele pulsasse teu sentimento nu.

Nossa nudez não seria castigada.

Nossos sonhos nossa condição de possibilidade.

Nossa transa um emaranhado de carinho, paixão e sensibilidade.

É terna a mente que ouve seu coração.

Teu coração eternamente.

Jayme Camargo/2007