quarta-feira, 4 de junho de 2008

Encontros e (Des)encontros...

“a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro
nesta vida... e não se engane não é uma só...”
Vinícius de Moraes


Encontros e (Des)encontros...
(São três e vinte da manhã de sábado para domingo, que não bastasse chuvoso, foi atravessado por um feriado farroupilha na quinta-feira.)
Não se encontra na rua o que não se tem em casa. Poderíamos, também, colocar a metáfora da seguinte forma: não adianta querermos encontrar no mundo exterior o que devemos trazer conosco no intimo. Imaginamos poder encontrar quando saímos para “fazer-uma-noite” alguma pessoa que nos encante. Por mais que não seja esse o nosso horizonte quando saímos, é inegável que sempre há, mesmo que resguardado interiormente, uma pouco de desejo de que o “amor-da-nossa-vida” esbarre em nossa existência. Entretanto, embora saibamos que a vida é a arte do encontro, cremos que os inúmeros desencontros que nela se dão, têm causa na incapacidade das pessoas de se encontrarem consigo mesmas. Ou seja, não podemos buscar nos outros aquilo que deveríamos ter em nosso poder. Além disso, é por essa razão que não temos conseguido nos encontrar com os outros, à medida que acabamos buscando neles a resposta às nossas carências. Seria muito mais profícuo esperarmos do outro uma espécie de “plus” subjetivo, ao invés da resolução de nossos conflitos interiores. Ao fazermos uma reflexão crítica acerca dos momentos nos quais os maiores afetos nos aparecem, percebemos que são tempos de relevante tranqüilidade. Nossas carências são apenas nossas, devendo ser atendidas domesticamente. Não podemos ter uma relação de necessidade com o outro, na medida que toda necessidade é expressão de exigência. Quiçá nesse aspecto resida a principal causa de haver tantas relações calcadas na posse sobre o outro, o que explica, também, o ciúme corrosivo que marca tais relações. Toda exigência implica em cobrança. Por isso a necessidade deve ser a necessidade de nós mesmos, a medida em que assim fazemos as cobranças necessárias ao nosso próprio eu (“self”), estas, de fato, exigências fundamentais. Nosso fundamento, embora seja o olhar-do-outro, não pode ser – no outro. Devemos assumir a nossa existência, nos entregando a nós mesmos. Aliás, parece ser essa a importante radicalização da nossa própria condição humana, visto que ninguém nunca nos perguntou se queríamos existir, o que nos situa desde sempre “tendo-que-ser”. O nosso projeto deve ser nosso, deve ter sempre seu a priori estruturado, portanto, a partir de nossas próprias referências. Não podemos, dessa forma, projetarmos nossa expectativa de felicidade sobre o outro. Não apenas sobre o outro enquanto outra pessoa, mas também enquanto outro lugar, outro trabalho, outro objeto qualquer... Ao despejarmos nossa expectativa de felicidade sobre qualquer outro ente que não nós mesmos, tornamos aquilo que nos é mais próximo e humano em algo distante e impessoal; viés característico dos objetos enquanto tais. Daí a angustia ser a marca recorrente de nossa época. Nunca uma geração foi tão marcada existencialmente por esse sintoma à medida que nunca uma geração foi tão tributária dos objetos (por definição tudo aquilo que se nos opõe, que nos é externo, enquanto sujeitos) como fundamento existencial. Temos na angustia, dessa forma, a essência de nosso tempo. Indagando-a, portanto, vislumbramos uma melhor explicitação do problema ora analisado. Partiremos da constatação de que na angustia, o nada é. Mas como pode ser alguma coisa, o nada, se ele nada é? A angustia se desvela como a presença do nada, na medida que quando estamos angustiados nos faltam às palavras. As palavras nos fogem, pois a angustia nos corta as palavras. Quando ela vai embora, entretanto, nos sentimos plenos novamente, e ao refletirmos sobre o que havia conosco, logo concluímos que – nada havia. A angustia é, portanto, a presença do nada. E esse corriqueiro acossar pelo nada, mostra como os objetos são incapazes de representar nossa felicidade, tendo em vista a força com que esse nada nos interpela, tornando vaga e opaca a nossa realidade, quando está presente. Esse desconforto com a realidade acontece, pois, como corolário da angustia, não conseguimos sequer tornar possíveis os objetos, à medida que sua representação se dá através da linguagem, e pela angustia nos cortar as palavras acabamos não conseguindo significar às coisas (até mesmo enquanto próprias coisas que são). Nosso projeto de felicidade, logo, não pode estar ancorado fora de nós, ao passo que assim seria um objeto, e esses tampouco são possíveis em alguns momentos (o que denota sua fraqueza). Importante questionar, assim, como a projeção de nossos sonhos, aquilo que é mais “nosso”, poderia ser impossível em algum momento?! É exatamente por isso que o “projetar” dos nossos projetos deve estar radicalmente sustentado em nós mesmos. Nos outros encontraremos os parceiros de projeção, aqueles que por afinidade estabelecerão seu “ser-com” juntamente conosco, mas que também não deverão fazer da sua projeção a busca de um objeto externo; porquanto vimos ser ele da ordem interna do sujeito. A despeito de tantos desencontros nesta vida, ela ainda é (deve ser) a arte do encontro consigo mesmo; espécie de “encontro fundamental”, condição de possibilidade de que todos os outros encontros aconteçam.
(São seis e doze da manhã de um domingo chuvoso que começa a nascer.)
Jayme Camargo da Silva

Um comentário:

Anônimo disse...

Esse texto é genial!!
parabens pelo bom gosto!
AMEI